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Resistência da madeira ao fogo.

Atualizado: 22 de mai.

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Resistência ao Fogo da Madeira

A madeira é, frequentemente, percecionada como um material vulnerável ao fogo, em virtude da sua natureza combustível. No entanto, esta visão simplista ignora o seu comportamento real quando sujeita a temperaturas elevadas. Do ponto de vista da engenharia, a madeira revela um desempenho ao fogo notável, especialmente quando bem dimensionada e utilizada em secções adequadas, cumprindo os critérios do Eurocódigo 5 – Parte 1-2 (EN 1995-1-2), que regula o dimensionamento das estruturas de madeira para situações de incêndio.


A Origem Resiliente da Madeira

Muito antes da era dos dinossauros, as árvores já dominavam o ambiente terrestre. Espécies arbóreas como Archaeopteris povoavam o planeta há mais de 380 milhões de anos, desenvolvendo sistemas de suporte verticais que dariam origem à madeira como a conhecemos. Desde então, o fogo natural — resultante de descargas atmosféricas, erupções vulcânicas e combustão espontânea de matéria orgânica — tornou-se um elemento constante no ecossistema terrestre.

Ao longo da sua evolução, as árvores adaptaram-se ao fogo. Desenvolveram estruturas de proteção como cascas espessas, capacidade de regeneração pós-incêndio (rebentação epicórmica), e sementes pirófitas que germinam apenas após a exposição a altas temperaturas. Estas estratégias de sobrevivência deixaram marcas no próprio tecido lenhoso, tornando a madeira, enquanto material estrutural, um produto da adaptação ao fogo ao longo de centenas de milhões de anos.


Comportamento da Madeira em Situação de Incêndio

Quando uma peça de madeira é exposta ao fogo, a sua superfície começa por carbonizar, formando uma camada de carvão. Esta camada, longe de representar apenas destruição, atua como um isolante térmico natural, reduzindo a condução de calor para as zonas internas da secção estrutural. A taxa de carbonização é relativamente estável (cerca de 0,65 mm/min para madeiras de coníferas em condições padrão), permitindo à engenharia prever o tempo de resistência ao fogo com elevada fiabilidade.

A madeira mantém, portanto, durante um incêndio, a sua capacidade portante por um período significativo de tempo, assegurando:

  • A estabilidade estrutural temporária do edifício;

  • A possibilidade de evacuação segura dos ocupantes;

  • A proteção de compartimentos adjacentes, graças ao isolamento térmico oferecido pela camada carbonizada.

Entre a madeira intacta e a camada carbonizada existe uma zona de transição, termicamente afetada, mas que não deve ser considerada na verificação estrutural, dado que a sua capacidade mecânica é comprometida.


Comparação com Outros Materiais

A madeira comporta-se de forma significativamente distinta do aço, que perde cerca de 50% da sua resistência a 550 °C, e do betão, que sofre danos estruturais por fissuração e explosão térmica em temperaturas elevadas. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente (ABIMCI, 2017), quando se comparam elementos de igual dimensão, a madeira apresenta uma resistência ao fogo semelhante à do betão e superior à do aço.

Além disso, a presença de madeira maciça nos edifícios contribui para reduzir a transmissão de calor entre compartimentos. Ensaios experimentais demonstram que a diferença de temperatura entre um compartimento em chamas e os espaços adjacentes protegidos por madeira pode ultrapassar os 140 °C, retardando a propagação do fogo e dos gases tóxicos.


Melhorias por Tratamento e Proteção Passiva

A resistência natural da madeira ao fogo pode ser melhorada através de tecnologias complementares:

  • Retardantes de chama: aplicados por impregnação ou revestimento superficial, reduzem a inflamabilidade.

  • Termorretificação: processo térmico que altera a composição molecular da madeira, reduzindo a sua higroscopicidade e aumentando a sua estabilidade térmica.

  • Revestimentos de proteção passiva, como placas de gesso laminado ou silicato de cálcio, são frequentemente utilizados em sistemas construtivos com CLT e GLULAM.

Estes sistemas são usados em conjunto com o sobredimensionamento da secção estrutural, permitindo prever com precisão o tempo de resistência ao fogo requerido por regulamentação (ex.: R30, R60, R90).


Normas e Referências Técnicas

O desempenho da madeira em situação de incêndio é regulado e previsto pelas seguintes normas e guias técnicos:

  • EN 1995-1-2 (Eurocódigo 5 – Parte 1-2) – Dimensionamento estrutural ao fogo;

  • EN 13501-2 – Classificação da resistência ao fogo de elementos construtivos;

  • ISO 834 – Curva padrão de incêndio;

  • Fire Resistance Design Manual (Gypsum Association);

  • Fire Protection Handbook (NFPA);

  • Fire Science Reviews (Kühne & Pichelin, 2014);

  • Handbook of Timber Engineering (Gonzalez-Fonteboa et al., 2018).

  • O dimensionamento deve considerar a taxa de carbonização nominal (ex. 0,65 mm/min para madeiras maciças em situações padrão), os requisitos de integridade e isolamento, e as estratégias de proteção passiva (como o uso de gesso cartonado, silicato de cálcio ou placas incombustíveis).


Conclusão

A madeira é muito mais do que um simples material combustível: é o resultado de milhões de anos de adaptação biológica ao fogo. A sua estrutura celular, herdada da árvore, oferece uma resposta previsível, estável e controlável em caso de incêndio. Quando corretamente projetada e protegida, a madeira pode superar outros materiais estruturais em termos de resistência ao fogo, aliando segurança, sustentabilidade e eficiência térmica.

Integrar madeira em edifícios não é apenas uma escolha estética ou ecológica, mas também uma decisão técnica fundamentada na sua resiliência, história evolutiva e comportamento físico sob condições extremas.

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A camada de carvão funciona como um isolante térmico e protector da estabilidade do elemento.


Referências Bibliográficas

  • ABIMCI (2017). Madeira e Fogo. Recuperado de: https://abimci.com.br/wp-content/uploads/2017/07/Madeira-e-Fogo.pdf

  • Gonzalez-Fonteboa, B., Dieste-Martin, R., & Martinez-Vazquez, F. (2018). Fire Resistance of Timber Structures. In Handbook of Timber Engineering (pp. 899-923). CRC Press.

  • Kühne, S., & Pichelin, F. (2014). Fire Behaviour of Wood Products and Mass Timber Assemblies in Engineering Applications. Fire Science Reviews, 3(1), 1–24.

  • Fire Resistance Design Manual, Gypsum Association.

  • Fire Protection Handbook, National Fire Protection Association (NFPA).

  • Norman, J. (Ed.) (2009). Fire Engineering's Handbook for Firefighter I and II.


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No caso de incêndio as vigas de aço deformam-se (perdem as suas propriedades mecanicas aos 770ª e a madeira aos 2000ª) completamente, enquanto que a viga de madeira ainda sustenta a carga mesmo após o contato com o fogo em altas temperaturas.




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