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Proteção contra Incêndios na Interface Urbano-Florestal: Ensaios do American Wood Council e a Perspetiva do Eurocódigo 5

Atualizado: há 4 dias

Resumo

Os incêndios em zonas de interface urbano-florestal (WUI – Wildland-Urban Interface) representam uma das maiores ameaças às comunidades urbanas em áreas de risco. Este artigo analisa os ensaios experimentais conduzidos pelo American Wood Council (AWC) em 2023 e 2024, que testaram sistemas de paredes e beirais sujeitos a fogo exterior severo, avaliando a sua eficácia na prevenção de penetração de chamas. Em seguida, os resultados são comparados com a abordagem normativa do Eurocódigo 5 (EN 1995-1-2), que fornece métodos de dimensionamento da madeira em situação de incêndio. A análise demonstra convergências, nomeadamente no papel dos revestimentos protetores, e evidencia lacunas, sobretudo no tratamento de interseções construtivas em cenários WUI. Conclui-se que a integração das metodologias poderá enriquecer a prática europeia de projeto em áreas críticas.

Palavras-chave: incêndios florestais, interface urbano-florestal, Eurocódigo 5, resistência ao fogo, madeira, American Wood Council.

1. Introdução

A intensificação das alterações climáticas e a expansão urbana em áreas florestais aumentam a exposição das comunidades a incêndios na interface urbano-florestal (WUI). Estes incêndios caracterizam-se por fluxos térmicos elevados, propagação rápida e elevada severidade (Moritz et al., 2014).

A proteção passiva das construções é, assim, uma prioridade estratégica. Nos Estados Unidos, o American Wood Council (AWC) desenvolveu uma série de ensaios experimentais (2023–2024) com o objetivo de testar soluções construtivas para paredes e beirais em cenários de chama direta (Smart, 2023).

Na Europa, a norma de referência é o Eurocódigo 5 – Parte 1-2 (EN 1995-1-2:2004), que estabelece métodos de cálculo simplificados e avançados para estruturas de madeira expostas ao fogo. No entanto, este documento centra-se sobretudo em incêndios interiores normalizados (ISO 834), não abordando diretamente as especificidades do fogo exterior em contexto WUI.

Este artigo procura, assim, colocar em diálogo os resultados empíricos do AWC com os métodos normativos do Eurocódigo 5, avaliando potenciais convergências e complementaridades.

2. Ensaios do American Wood Council (2023–2024)

2.1 Metodologia

  • Série 2023: protótipos de paredes (13 pés x 10 pés) e beirais (18”) foram expostos a cribs de madeira em combustão (~2,5 MW, 70 kW/m²).

  • Série 2024: aplicou-se o método ASTM E2957 (queimador a gás 300 kW, 10 min + 60 min observação) para correlacionar ensaios normalizados com grande escala.

  • Critério de falha: penetração de fogo para o interior do edifício simulado.

2.2 Resultados

  • Teste #1 (2023): parede em OSB + fibrocimento, beirais desprotegidos. Falha em 10–17 min.

  • Teste #2 (2023): gesso tipo X em paredes e beirais. Falha ao fim de 52 min, pelas interseções.

  • Teste #3 (2023): lã mineral em paredes + gesso tipo X nos beirais. Resistência de 79 min.

  • Teste #4 (2023): dupla camada de gesso tipo X + selagem intumescente. Resistência total de 90 min.

  • Série 2024 (ASTM E2957): validação da norma como método eficaz; configurações reforçadas resistiram integralmente.

Os resultados destacam que a proteção multicamada e a selagem das interseções são determinantes para impedir a penetração de fogo.

3. Eurocódigo 5 – Parte 1-2: Estruturas de Madeira em Situação de Incêndio

O Eurocódigo 5 define métodos de cálculo simplificados para avaliar a capacidade portante de elementos de madeira sujeitos a incêndio, com base em:

  • Velocidade de carbonização (βn): taxa de perda da secção resistente, variando entre 0,65 e 0,8 mm/min para madeiras maciças (EN 1995-1-2:2004, §3.1).

  • Espessura residual: cálculo da secção remanescente após tempo de exposição tfi, obtida por:

dchar,n=βn⋅tfi+k0d_{char,n} = \beta_n \cdot t_{fi} + k_0

onde k0 é a adição inicial (geralmente 7 mm).

  • Contributo dos revestimentos: placas de gesso ou painéis isolantes retardam o início da carbonização em tempos definidos (k2-factor).

O EC5 aplica-se sobretudo a elementos estruturais lineares (vigas, pilares) e painéis em CLT/OSB, não considerando explicitamente a entrada de fogo por pontos críticos de junção.

4. Comparação entre AWC e Eurocódigo 5

Aspeto

Ensaios AWC

Eurocódigo 5

Cenário de fogo

Exposição exterior severa (WUI, chama direta, 70 kW/m²)

Incêndio interior normalizado (curva ISO 834)

Unidade de análise

Sistema construtivo (parede + beiral)

Elementos estruturais isolados (viga, pilar, painel)

Critério de falha

Penetração de fogo no edifício

Capacidade portante mínima (R), integridade (E), isolamento (I)

Proteções eficazes

Gesso tipo X, lã mineral, selagens intumescentes

Gesso tipo F, painéis resistentes ao fogo, isolamento mineral

Limitações

Falhas recorrentes nas interseções parede/beiral

Não aborda cenários WUI nem falhas em junções

Síntese

  • Ambos os sistemas reconhecem o papel essencial das proteções passivas (gesso e lã mineral).

  • O AWC traz evidência experimental para cenários não cobertos pelo Eurocódigo 5, nomeadamente fogo exterior em zonas WUI.

  • O Eurocódigo 5 fornece métodos de cálculo normativos aplicáveis à perda de capacidade estrutural, mas não detalha a propagação pelas interseções construtivas.

5. Implicações e Discussão

Os resultados sugerem a necessidade de integrar as abordagens:

  1. Do AWC, retirar dados experimentais para orientar o projeto de detalhes críticos (beirais, interseções parede-cobertura).

  2. Do EC5, aplicar métodos de cálculo para garantir a capacidade portante residual dos elementos estruturais.

  3. Para Portugal, onde as zonas WUI são extensas, a conjugação destas abordagens permitiria reforçar a resiliência das construções em madeira e alinhar práticas com o enquadramento europeu.

6. Conclusões

  • O risco de incêndio em WUI exige uma abordagem integrada, combinando ensaios empíricos (AWC) e métodos normativos (EC5).

  • A proteção multicamada, especialmente em interseções, é essencial para evitar penetração de fogo.

  • O Eurocódigo 5, embora robusto para cálculo estrutural em incêndio, deve evoluir para incluir cenários de fogo exterior e detalhes construtivos em zonas críticas.

  • A convergência das metodologias representa uma oportunidade para o desenvolvimento de códigos mais abrangentes, adequados ao contexto das alterações climáticas e ao risco crescente em áreas periurbanas.

Referências

  • American Wood Council. (2023). Wildland-Urban Interface Fire Test Series 2023. Leesburg, VA: AWC.

  • American Wood Council. (2024). ASTM E2957 Correlation Tests – WUI Fire Hardening. Washington, DC: AWC.

  • ASTM International. (2020). ASTM E2957 – Standard Test Method for Resistance to Wildfire Penetration. West Conshohocken, PA: ASTM.

  • EN 1995-1-2:2004. (2004). Eurocode 5: Design of timber structures – Part 1-2: General – Structural fire design. Brussels: CEN.

  • Fernandes, P. M. (2019). A gestão de combustíveis e a mitigação dos incêndios florestais em Portugal. Revista Florestal Portuguesa, 25(2), 45–62.

  • Moritz, M. A., Batllori, E., Bradstock, R. A., Gill, A. M., Handmer, J., Hessburg, P. F., … Syphard, A. D. (2014). Learning to coexist with wildfire. Nature, 515(7525), 58–66.


 
 
 

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